é doutor em biologia funcional e molecular pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador da área de genômica funcional do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo
Em termos de resultado, o doping genético não difere significativamente do doping "convencional". A manipulação dos níveis de uma substância no sangue, como a testosterona e a eritropoietina (EPO), pode ser feita com o uso da proteína recombinante (droga sintética produzida em laboratório) ou com a "transfecção" de um gene que contenha o código específico para produzir esses hormônios no organismo do atleta.
Neste último caso, níveis elevados de testosterona ou EPO no sangue podem ser resultantes de uma produção extra, proveniente do "transgene" (o gene inserido no corpo do atleta). O que torna o doping genético mais atraente que o convencional, para o atleta, é o fato de uma única aplicação poder resultar em superprodução contínua do hormônio, evitando os altos e baixos que ocorrem quando se injeta EPO ou outra proteína recombinante. Outra vantagem seria a possibilidade de introduzir genes em grupos musculares específicos. No voleibol, por exemplo, "transfectar" com uma cópia do gene IGF alguns músculos das pernas poderia resultar em hipertrofia muscular e, quem sabe, maior potência no salto.
Em termos de detecção, o doping genético traz a cada dia novos e complicados desafios. A estrutura química do hormônio produzido pelo gene artificial, introduzido nas células pela técnica de terapia gênica, é virtualmente idêntica à estrutura do hormônio produzido naturalmente. E nem sempre o hormônio produzido pelo músculo transfectado extravasa para o sangue em quantidades suficientes para a detecção. Nesse caso, apenas uma biópsia muscular (retirada de um pedaço do músculo com uma agulha especial) permitiria detectar o transgene. Mas qual atleta se sujeitaria e não seria prejudicado por uma biópsia muscular no período competitivo? Como se não bastasse, cada atleta apresenta o que chamamos de "padrão de expressão gênica". O mesmo gene, em dois atletas distintos, pode resultar em níveis hormonais distintos. Isso explica a grande dificuldade da Agência Mundial Antidoping para criar um teste-padrão antidoping. A criação de um "passaporte genético", uma espécie de monitoramento do padrão de expressão gênica de cada atleta durante sua vida, permitiria observar alterações bruscas de expressão. Pode ser parte da solução para esse problema. Outra forma de detecção pode ser procurar alterações no sistema imune do atleta, uma vez que a entrega do gene artificial pode ser feita usando vírus, e a presença de um vírus causa reações de defesa no organismo.
O que é a realidade e o que são especulações hoje? Genes com potencial em amplificar o desempenho já são conhecidos. Os métodos para a transferência e o bloqueio de genes já estão disponíveis e existem inúmeros laboratórios no mundo com biotecnologia suficiente para a aplicação da técnica. Mas uma grande parcela dos excitantes resultados vem de estudos com animais de laboratório. Esses resultados não são totalmente transferíveis para humanos. A ânsia pelo lugar mais alto do pódio não leva em consideração as evidências científicas, ou melhor, nesse caso, a falta de evidências científicas. Muito menos existe a preocupação com as possíveis conseqüências irreversíveis de um doping genético malsucedido. A ciência debruça sobre o aperfeiçoamento dos métodos de terapia gênica para fins terapêuticos, mas infelizmente precisa gastar parte de seu precioso tempo para combater o seu mau uso.