10 de agosto de 2008

A Universidade Nova na Bahia

Naomar De Almeida Filho - Folha de S. Paulo - 8/8/2008

Como fazer a universidade pública politicamente responsável,
socialmente inclusiva e reafirmar a excelência acadêmica?

A CRISE da universidade pública brasileira continua, latente. O maior
desafio de sua história persiste, resumido nesta cadeia de impasses:
como fazê-la politicamente responsável, socialmente inclusiva e, ao
mesmo tempo, reafirmar a excelência acadêmica que a define como
instituição plena de autonomia e criatividade? Como fomentar
eficiência e economicidade pertinentes à gestão pública e, ao fazê-lo,
incutir valores do "zeitgeist" contemporâneo?
A solução desses dilemas não pode mais ser adiada. Não cabe sustentar
a torre de marfim na conjuntura atual, nesta era de mundialização,
aquecimento global, realidade virtual, movimentos sociais expandidos e
democracia em tempo real.
Precisamos ser criativos para descobrir saídas e responsáveis para
concretizar transformações.
Na UFBA (Universidade Federal da Bahia), alcançamos um primeiro
sucesso ao implantar o programa de ações afirmativas em 2004.
Avaliações demonstram que não houve decréscimo no nível dos alunos e
na qualidade da formação.
Decidimos então aprofundar a transformação. Concebemos um modelo de
arquitetura curricular que ganhou o nome de Universidade Nova.
Trata-se de uma estrutura modular, flexível e progressiva. Mobilidade
intra e interinstitucional, regime de ciclos de formação, compatível
com o modelo europeu de Bolonha e o "college" norte-americano.
Incorpora o bacharelado interdisciplinar (BI) em grandes áreas do
conhecimento: humanidades, artes, ciências e tecnologias, saúde. Esse
modelo foi aprovado por nosso Conselho Acadêmico, sem votos
contrários.
O Reuni viabilizou nossos projetos de ampliação e renovação. Com apoio
do MEC, cresceremos 83% em quatro anos. Projetamos 42 mil matrículas
em 2012, em cerca de 180 cursos de graduação e pós-graduação. Nos
próximos anos, vamos contratar 1.500 novos servidores docentes e
técnicos.
Serão implantadas estruturas compartilhadas de formação, como arenas
multiuso, pavilhões de laboratórios, auditórios modulados, centro de
idiomas e outros.
Para atender à nova realidade, nosso Consuni aprovou por unanimidade o
Plano Diretor Físico-Ambiental da UFBA, dentro do conceito de campus
ecossustentável, ao qual o acesso deverá ser feito a pé ou por meio de
"biobus" e bicicletas.
Com isso tudo, além de reculturalizar a formação universitária,
queremos superar práticas pedagógicas passivas e ineficientes.
Essa luta não será fácil. Em um livro revolucionário intitulado "Por
uma Geografia Nova", Milton Santos escreveu: "O apego às velhas idéias
parece uma enfermidade incurável.
(...) Caímos naquele defeito de considerar velhas formas de pensar
como inevitáveis. Ao invés de perseguir um saber novo, preferimos
deliciar-nos com a reprodução do saber velho. (...) O novo é, de certa
forma, o desconhecido e só pode ser conceitualizado com imaginação, e
não com certezas".
Gilberto Gil também nos provoca a reflexão. Sua canção diz: A Novidade
"veio dar à praia / Na qualidade rara de sereia / Metade, o busto de
uma deusa maia / Metade, um grande rabo de baleia / A novidade era o
máximo / Do paradoxo estendido na areia / Alguns a desejar seus beijos
de deusa / Outros a desejar seu rabo pra ceia".
Mas, num "mundo tão desigual (...) de um lado este carnaval / Do outro
a fome total / E a novidade que seria um sonho / O milagre risonho da
sereia / Virava um pesadelo tão medonho / Ali naquela praia, ali na
areia / A novidade era a guerra / Entre o feliz poeta e o esfomeado /
Estraçalhando uma sereia bonita / Despedaçando o sonho pra cada lado".
Vale aqui parodiar o poeta, compreendendo sua sensível advertência: a
universidade tem a qualidade rara de sereia, criatura de enigmas e
sonhos, traz o máximo do paradoxo, desperta desejos e fomes, milagre
risonho, não pode ser despedaçada por guerras entre poetas e famintos.
Compartilhamos o projeto político do sábio geógrafo baiano: o novo não
pode ser um fim em si mesmo, a novidade tem que ter sentido social e
histórico, para banir a fome total, transformando este mundo tão
desigual.
Por isso, nosso projeto de mudança quer, sem preconceitos e com
imaginação, tornar a universidade uma instituição radicalmente
pública, de fato popular. Eis a questão crucial: popularizar sem
vulgarizar, pactuar famintos e poetas, pagar a dívida social da
educação brasileira sem estraçalhar nosso sonho de universidade.
Aproveito para concluir com um convite: docentes e pesquisadores que
desafiam as velhas formas de pensar, venham construir conosco a
Universidade Nova na Bahia.

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO, 55, doutor em epidemiologia, pesquisador do
CNPq, é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva e reitor da
UFBA (Universidade Federal da Bahia).