30 de agosto de 2008

As boas lições dos Jogos de Pequim

As boas lições dos Jogos de Pequim

Editorial - Jornal do Brasil - 26/8/2008

A cada quatro anos o mundo obtém aprendizados com a Olimpíada. O
nazismo já foi desmoralizado por Jesse Owens, a pior face do
terrorismo foi escancarada em Munique-72, a decrepitude da divisão
entre blocos ocidente-oriente ficou explícita nos boicotes em 1980 e
1984, entre outras importantes lições que o esporte já deu aos homens.

Domingo encerraram-se os Jogos de Pequim. Sem atentados, sem problemas
para os visitantes, com a emoção de façanhas como as do americano
Michael Phelps, do jamaicano Usain Bolt, dos determinados donos da
casa – recompensados com o maior número de ouro – e das mulheres do
Brasil. Mas jogando luz, antes mesmo da competição começar, sobre o
sufoco vivido no Tibete e a ausência de compreensão da China com
liberdades civis e direitos humanos.

No campo esportivo, a China mostrou com sua performance que é possível
ser melhor do que os Estados Unidos quando se traçam metas rígidas,
investe-se corretamente e mobiliza-se uma nação em torno de um projeto
social onde o esporte é apenas a comissão de frente. Já os americanos
produziram os heróis de sempre, e mostraram-se exemplares em algumas
modalidades nas quais investem desde a infância – como a natação de
Phelps, referência no planeta, e onde César Cielo, um de nossos três
medalhistas de ouro, fez toda a sua preparação para os Jogos.

Na parte intermediária do quadro de medalhas, a performance de Cuba,
até pouco tempo disputando na cola das potências esportivas, evidencia
o resultado da redução brusca de investimento na base e da falta de
referências no esporte – até mesmo o boxe, um dos principais esportes
da ilha, "conseguiu", pela primeira vez, não mandar pugilistas a todas
as categorias em disputa.

Tirando Estados Unidos e Canadá, os primos ricos do continente, coube
ao Brasil ser o terceiro melhor colocado. Não é mero acaso ou
coincidência. Nossa delegação utilizou os primeiros recursos da Lei
Piva e da Lei de incentivos fiscais ao esporte. Com os demais
patrocínios de empresas estatais, os atletas do Brasil usufruíram de
pouco mais de R$ 800 milhões nos últimos quatro anos.

Reportagem publicada neste JB na edição de ontem mostrou que esse
valor é menor do que investem os mais vitoriosos países a cada ciclo
olímpico. Quatro anos é, de fato, pouco tempo para formar uma geração
de campeões. Mas é preocupante que uma delegação de 277 atletas tenha
produzido apenas 15 medalhas – são conquista de menos e gente demais.
Para 2012, além de investir muito, é preciso passar a investir certo.
Ou na formação de mais brasileiros em condições de vencer, ou na
redução de atletas que vão à Olimpíada para fazer turismo.

Para o Brasil, Pequim deixou, portanto, duas lições. A primeira é que
a preparação psicológica deve ter o mesmo peso da física e técnica. A
lógica é simples: nunca chegamos a tantas finais. Mas não subimos ao
pódio na maioria. A diferença entre ouro e bronze é, quase sempre,
questão de décimos de segundo. Um piscar de olhos fora de hora dá ou
tira a medalha. Ou seja: estamos prontos fisica e tecnicamente para
chegar a finais. Não estamos, contudo, tão prontos a controlar a mente
para não errar na hora H.

A segunda lição é que comitês não ganham medalhas. Os cerca de US$ 600
milhões que o Comitê Olímpico dos EUA recebem a cada quatro anos são
ínfimos perto do que o governo investe em educação e a iniciativa
privada gasta com os principais esportes. Nosso governo federal – e as
estatais – têm folego para aplicar mais ainda na busca de talentos nas
escolas. E em pouco tempo verá resultados mais efetivos – não só no
esporte – do que, como agora, entregar a mala de dinheiro a
presidentes de confederações, sem fiscalização ou compromisso de
contrapartida.