vez o país passará uns bons dias como autêntico muro das lamentações
esportivas, perguntando-se por que esta ou aquela medalha não veio e o
que aflige o país nas horas decisivas - debate este muito em voga com
algumas derrotas que não são cômicas porque tomam contornos trágicos.
Não é preciso se estender muito para lembrar que o país não perde o
costume de criar bolhas desmedidas de euforia que ao estourarem levam
o torcedor e o atleta da empolgação máxima à profunda depressão.
Tampouco é necessário muito esforço para perceber que tal
comportamento é propiciado pela cobertura da grande mídia, desesperada
por ídolos e resultados que encantem o fã, e pela velha cartolagem
nacional, sempre vendendo discursos de evolução da futura potência
olímpica que acabam desmascarados ao final de cada grande competição.
Dependência dos poucos ídolos
Carente de um maior número de atletas mundialmente de ponta, nada mais
natural que as esperanças e sonhos de triunfo recaiam sobre as costas
dos atletas mais bem cotados internamente. No entanto, como a
estrutura dada à maioria dos atletas não acompanha o nível de
expectativa, cria-se a perigosa, como cansamos de ver em Pequim,
combinação entre esses dois fatores. Ao se depararem com a primeira
frustração, nossos atletas acabam por cair em prantos, extravasando os
anos de esforço não visto e não compensado, além do posterior
esquecimento que o regresso ao país lhes reserva.
Não estaria na hora de o país utilizar seus prodígios de cada esporte
como modelos para as novas gerações, o que permitiria ao país evoluir
e renovar-se constantemente?. O que, por conseguinte, diminuiria muito
o peso sobre os poucos que conseguem chegar longe e representar o
Brasil em competições oficiais.
Foi flagrante a quantidade de compatriotas nossos chorando derrotas,
inesperadas ou não, diante das câmeras, ato seguido de lamentos pela
falta de apoio durante tantos anos e pelas divagações sobre o que será
de agora em diante. De forma geral, esse choro todo cria rótulos,
reaviva discussões em torno do velho complexo de vira-lata, detectado
por Nelson Rodrigues quando o Brasil não tinha nem televisão ainda.
Não é complexo algum, é a simples e dura realidade: o que vemos nos
quadros de medalhas é o reflexo daquilo que o país está apto a
conquistar, nada mais.
Se o surgimento de Cielos, Hypolitos e Gregorios servir apenas como
perspectiva de vitórias na próxima competição, e não como bandeira com
vistas a popularizar a modalidade e revelar um número crescente de
talentos, vamos resolver o problema do volume de água do São Francisco
com os jogos de Londres 2012.
E dinheiro nem é mais problema...
Em outros tempos, a simples justificativa da falta de verbas já servia
como explicação quase definitiva para nossas escassas alegrias
esportivas. Hoje em dia, entretanto, a situação mudou muito e, apesar
de ainda insuficientes, uma maior quantidade de recursos não é
sinônimo de grandes transformações se não raro são usados de forma
inapropriada.
Para compreender melhor a questão, vale lembrar que as contas do Pan
do Rio, realizado no ano passado, seguem sem aprovação da União, o que
é muito compreensível quando se verifica que o orçamento previsto de
R$ 400 milhões ganhou um zerinho a mais, isto é, decuplicou-se.
E como prova de que a verba destinada às práticas esportivas deixou de
ser o grande problema, o site Contas Abertas revelou que,
ineditamente, o orçamento do setor em 2008 supera o da cultura.
"Enquanto o montante desembolsado pela pasta do Esporte esse ano (até
agora) é de R$ 317,1 milhões, a Cultura aplicou R$ 293 milhões. Para
2008, a verba autorizada é de R$ 1,3 bilhão e empata com a da
Cultura", informa o órgão.
Porém, de que adianta tamanha dinheirama se a única representante do
Brasil na maratona, Marily dos Santos, cortadora de cana até os 18
anos, teve de pegar emprestado o uniforme de um colega brasileiro para
correr? O traje sobrando no corpo da esguia atleta escancarava a
patacoada. De que adianta, se a única psicóloga da delegação teve sua
ida aos jogos forçada pela equipe de vôlei, pois o Comitê Olímpico
Brasileiro era contra, e sua estadia teve de ser bancada pelo
treinador José Roberto Guimarães?
Aliás, esse episódio merece uma observação à parte: enquanto vemos
nossos atletas desmancharem-se em lágrimas ao sucumbirem mediante
situações de alta exigência física e emocional, os líderes do esporte
nacional crêem ser desimportante a utilização de profissionais de
apoio psicológico, sendo que todas as grandes potências esportivas
estruturadas oferecem suporte a suas equipes.
Conclusões
Postos à mesa nossos resultados, fica evidente que o país, assim como
em muitas outras áreas, desperdiça gritantemente seus recursos e
capacidades, o que não leva pouco tempo para se mudar. Tendo apenas
12% de suas escolas com quadras para prática esportiva, o investimento
nessa base é mais que primordial para que no futuro nos acostumemos
com gerações de atletas de primeiro escalão, em todos os esportes e
com renovação constante.
Prestigiar o atleta somente quando este já é profissional e provou por
conta própria seu valor, além de oportunista, é enganoso, pois passa a
imagem de que grandes empresas e federações respaldam nossos
esportistas de forma incondicional, fazendo-nos esquecer dos que estão
na mesma luta e seguem largados.
Promover a prática esportiva desde cedo, além de ensinar a ganhar e a
perder na vida, promove convívio e inclusão social. Foi por esse
processo que passaram, e passam, as grandes potências olímpicas,
inclusive Cuba, que tem mais ou menos o tamanho de Sergipe e já
disputou palmo a palmo a liderança do quadro geral com os próprios
norte-americanos.
Dessa forma, parece claro que primeiro devemos nos estruturar (e
limpar) internamente para que no médio prazo possamos começar a colher
resultados que ainda não estamos acostumados a obter. No entanto,
nossos dirigentes, não satisfeitos em estourarem em 1000% as contas do
Pan, já anunciaram que o próximo passo é sediar os jogos de 2016.
Mas para que organizaríamos uma Olimpíada dentro de casa em prazo tão
breve? Para chorar nossas mazelas e fraquezas diante do mundo todo
dentro de casa? Pra brigar pau a pau com a Mongólia no quadro geral?
Pra despejar um caminhão de dinheiro na mão de quem o faz sumir sem
constrangimento algum? Deve ser para virar motivo de piada da própria
população, como na "adaptação" do filme "A queda", em que se fantasiam
cenas de um Hitler desolado com a derrota que se aproximava em Berlim.
O Brasil olímpico é um retrato fiel do Brasil que conhecemos de todos
os dias. Desperdício de talento/recursos, descaso, tragédias
cinematográficas em momentos decisivos, corrupção endêmica e falsas
promessas para aliviar as dores e fazer acreditar que um dia seremos o
que idealizamos. No fundo, parece que já estamos acostumados.
Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.
Correio da Cidadania - 25-Ago-2008