29 de agosto de 2008

Por que a educação não dá voto?

Por que a educação não dá voto?

Isabel Clemente e Mariana Sanches
Época num. 0536
25/8/2008

O resultado das urnas no passado revela que o eleitor de baixa renda
costuma dar prioridade ao bolso – e não à escola. Como é possível
mudar isso


Uma das verdades mais incômodas da política brasileira envolve um
assunto que está na cabeça de pais, professores e estudiosos de todo o
país – a pouca importância que o eleitor atribui às propostas para a
educação na hora de escolher seu candidato. "Educação não dá voto. Dá
reconhecimento", diz o deputado federal Alceni Guerra (DEM-PR).
Ex-ministro da Saúde, prefeito de Pato Branco, cidade com 70 mil
habitantes no Paraná, entre 1997 e 2000, Alceni sabe o que está
dizendo. No dia da posse, implantou o ensino integral na rede pública
da cidade. Criou benefícios diretos para 10 mil alunos da rede
pública, que passou a oferecer aulas de Balé e Inglês para crianças a
partir dos 6 anos de idade. Mesmo assim, quatro anos depois, ao
enfrentar o teste das urnas, perdeu para seu maior adversário. "Sempre
que aparecia um problema na cidade, fosse um buraco de rua ou um
problema no posto de saúde, diziam que a culpa era do prefeito, que só
pensava em educação", diz Alceni.

O comportamento do eleitorado de Pato Branco está longe de ser
raridade. As pesquisas mostram que a maioria dos brasileiros adora
lembrar a importância da educação para o futuro dos filhos e o
progresso do país. Mas, na hora de votar, existem outras prioridades.
A última enquete do Ibope encomendada pelo Todos pela Educação – um
movimento social apartidário e privado criado em 2006 – revelava a
educação em sexto lugar na longa fila das prioridades. Isso ainda era
um avanço – no ano anterior, a educação estava em sétimo, atrás de
emprego, saúde, segurança, combate às drogas, corrupção e fome.

Eleito governador do Distrito Federal em 1994, o senador Cristovam
Buarque fez carreira como criador do Bolsa-Escola, o avô do
Bolsa-Família, programa pioneiro em remunerar famílias carentes pela
presença da criançada na sala de aula. Nem assim conseguiu se
reeleger. Quatro anos depois, foi derrotado por Joaquim Roriz, um
pródigo distribuidor de lotes de terras, cujos erros de concordância
em pronunciamentos oficiais fazem o folclore da política local.
Candidato presidencial em 2006, Cristovam não passou da condição de
concorrente nanico. "Construir universidades dá voto, até o analfabeto
apóia por causa do status que a cidade ganha. Educação não.
Geralmente, uma escola boa não faz parte do universo de desejo do mais
humilde, como um carro, uma casa ou o tênis. É algo muito distante",
diz Cristovam.

74% dos municípios pobres onde os gastos em educação cresceram mais
que as transferências de renda não
Dá para mudar essa realidade? Há sinais de que isso pode ser possível.
Na semana passada, o movimento Todos pela Educação divulgou uma
campanha para orientar o eleitor, com o intuito de tornar a educação
uma prioridade na hora do voto (leia as principais dicas da campanha).
Em alguns municípios, políticos que investiram em educação se deram
bem nas urnas. Nos últimos 12 anos, em Campo Limpo Paulista, a 40
quilômetros de São Paulo, a educação tem sido a principal aposta da
Prefeitura. Quando se elegeu pela primeira vez prefeito da cidade, em
1996, o médico cirurgião Luiz Antônio Braz teve só 255 votos a mais
que o segundo colocado. A máquina inteira de educação municipal se
resumia a duas creches e duas salas de alfabetização de adultos. "Eu
queria transformar a cidade em um pólo de tecnologia. Para isso,
precisávamos melhorar a s qualidade da mão-de-obra que formávamos
aqui." Em oito anos, subiu para 25 o número de escolas, entre novas e
municipalizadas. No segundo mandato, Braz empregou 63% do orçamento da
cidade em educação. Capacitou professores e criou salas de computação
em todas as escolas. Ele se reelegeu em 2000 com 47% mais votos que o
segundo colocado. Quatro anos depois, fez como sucessor Armando
Hashimoto, com larga margem. Seu material de campanha se concentrava
nos avanços na área da educação.

Mas nem Braz nem Hashimoto creditam a vitória exclusivamente ao
trabalho feito na educação. Braz diz ter asfaltado quase metade das
vias da cidade e acredita ter ficado mais conhecido por essa
realização. A intuição do prefeito é confirmada por estudiosos dos
humores eleitorais. Estudos revelam que a saúde sempre está em
primeiro lugar – num país onde a fila para muitos exames leva meses.
"Enquanto o básico – viver ou morrer – não for uma questão resolvida,
o eleitor terá dificuldade de valorizar investimentos em educação no
Brasil", diz o sociólogo Alberto Carlos Almeida, autor do livro A
Cabeça do Brasileiro.


Uma pesquisa inédita, de dois economistas brasileiros da Universidade
Harvard, nos Estados Unidos, ajuda a entender melhor a visão do
eleitorado sobre a educação. Depois de investigar minuciosamente
gastos, características socioeconômicas e resultados das eleições de
2000 e 2004 em 5.250 municípios brasileiros, os pesquisadores Leonardo
Bursztyn e Igor Barenboim descobriram que, nas cidades pobres onde se
gastou mais com educação, os prefeitos tiveram menos chances de se
reeleger ou de fazer sucessor. Dois resultados chamam a atenção: 74%
dos municípios pobres onde os prefeitos aumentaram mais o investimento
em educação que os gastos com assistência social não se reelegeram nem
emplacaram seus partidos ou coligados. Em compensação, nas cidades
pobres onde os gastos com transferência de renda subiram mais, 65% dos
prefeitos se reelegeram ou fizeram sucessor. Conclusão: dinheiro no
bolso parece contar mais do que filho na escola.

A proposta inicial do trabalho de Bursztyn e Barenboim, intitulado
"Educação ganha eleições?", era responder a uma pergunta intrigante:
por que um país como o Brasil, onde 100% das pessoas reconhecem as
deficiências da educação e sua importância para o futuro do país,
enfrenta tanta dificuldade para resolver o problema? Os dois
estudiosos lembram que a lista de causas é grande e complexa, mas que,
na hora do voto, a decisão é definida pelo horizonte econômico do
eleitor. Nas cidades pequenas, que formam a maioria dos municípios
brasileiros, leva-se uma vida de dinheiro curto e orçamento
controlado, em que o salário mínimo chega a ser quase um privilégio, e
metade do eleitorado sobrevive com renda média de R$ 100 por mês ou
até menos. "Nessa situação, se puder escolher entre ganhos futuros e
respostas para os problemas imediatos, o eleitor sempre ficará com a
segunda opção", diz Bursztyn.

Outro dado contribui para a permanência dessa situação. A experiência
ensina que as famílias de gente com baixa escolaridade – e que teriam
mais necessidade de boas escolas – são aquelas que menos valor
atribuem à educação. A história do sociólogo Florestan Fernandes, um
dos mais festejados intelectuais da esquerda brasileira, é um bom
exemplo disso. Ele foi criado por uma mãe que não sabia ler nem
escrever. Ela queria que seu filho interrompesse os estudos – em que
seria consagrado – e fazia o possível para que ele parasse de perder
tempo e começasse a trabalhar para pagar as contas no fim do mês. "Os
mais pobres tendem a ter menos anos de estudo e a valorizar menos
ainda o que eles mesmos não tiveram", diz Barenboim.

65% dos municípios pobres onde as transferências de renda cresceram
mais do que os gastos em educação reelegeram o prefeito

Embora os argumentos a favor da boa educação tenham a idade dos
regimes republicanos, não param de surgir novas descobertas para
confirmar sua validade. Sabe-se hoje que as boas escolas criam
cidadãos autônomos, mais produtivos e menos dependentes e recorda que
ali funciona a regra do quanto mais cedo, melhor. "Não existe
investimento com retorno social maior do que investir na primeira
infância. Ele só não é alto do ponto de vista eleitoral porque, para
começar, criança não vota", diz o economista Marcelo Neri, do Centro
de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas do Rio. As propostas
do movimento Todos pela Educação podem ser um bom começo para levar a
educação ao topo da lista de prioridades.

O que fazer para resolver
As dicas para tornar a educação uma prioridade dos políticos

COBRE da Secretaria de Educação a divulgação do planejamento do ano
letivo da rede pública. Ele deve ter no mínimo 200 dias e um mínimo de
quatro horas de aula por dia

ACOMPANHE as atividades de prefeitos e vereadores. Eles devem deixar
claro como o município pretende garantir o direito à educação de
qualidade para cada aluno

AVALIE se o secretário municipal de Educação foi escolhido por sua
competência ou por outros critérios, como afinidade, parentesco ou
indicação política

ACESSE o portal De Olho na Educação (www.deolhonaeducacao.org.br). Lá,
é possível gerar um boletim da situação educacional por municípios
(Brasil, região e Estado também) e, em breve, das escolas públicas de
todo o país

CONFIRA o desempenho do município em exames como o Ideb e das escolas
municipais na Prova Brasil

Investimento ingrato?
Dos 25 prefeitos que mais aumentaram o investimento em educação entre
2000 e 2004, apenas quatro conseguiram se reeleger ou fazer seu
sucessor.