31 de agosto de 2022

Futebol feminino sofre boicote de quem o comanda

futebol feminino evoluiu bastante no Brasil nos últimos três anos, mas poderia ainda estar em outro patamar se não sofresse um boicote tão grande de quem mais deveria se importar com ele. As quartas de final do Brasileiro são a prova disso.

A desculpa é sempre a mesma: "Não dá dinheiro, não é rentável". Enquanto o mundo caminha na direção contrária, enchendo estádios e mostrando que há grandes públicos interessados em gastar dinheiro com o futebol das mulheres, por aqui quem comanda prefere repetir clichês a trabalhar para contrariá-los.

A Série A1 do Brasileiro feminino neste ano foi a mais equilibrada de todos os tempos. O mínimo que se esperava para o mata-mata era que a arbitragem de vídeo fosse utilizada para evitar erros graves, como os que ocorreram ao longo de toda a primeira fase da competição. As Séries A, B e agora até a C do masculino contam com VAR (esta última com o uso da tecnologia começando na fase decisiva). Mas a CBF optou por deixar o VAR no feminino apenas para as semifinais.

Jogadoras do Corinthians comemoram classificação às semifinais do Campeonato Brasileiro feminino
Jogadoras do Corinthians comemoram classificação às semifinais do Campeonato Brasileiro feminino, maltratado pela CBF - Rodrigo Gazzanel - 21.ago.22/Ag. Corinthians

Pelo pagamento baixo oferecido aos árbitros por jogos da Série A1 do feminino (seis vezes menos do que eles recebem por jogos da Série A e cinco vezes menos do que recebem na Série B), a arbitragem da principal competição de futebol feminino do país costuma ser formada por árbitros(as) menos experientes.

Alguns dos que apitaram as quartas de final, por exemplo, só tinham experiência em jogos de base, Brasileiro de aspirantes ou Série D. Isso acaba contribuindo para que erros apareçam (como apareceram nas quartas de final), afinal jogos decisivos exigem mais da arbitragem.

E, se a CBF opta por não valorizar seu produto colocando a arbitragem de vídeo, os clubes também não se importam em cobrá-la por isso. Quando há erros de árbitros em jogos do futebol masculino, é comum ver os clubes protocolando reclamações formais na CBF. Já foram oficializadas 22 reclamações no futebol masculino nesta temporada. No caso do feminino, apenas uma reclamação foi formalizada (do Corinthians, nas quartas de final).

A confederação diz que o futebol feminino "é uma de suas prioridades" na atual gestão –ainda que fique difícil acreditar nisso, considerando, por exemplo, que a seleção feminina tem data Fifa na semana que vem e até agora não tem nenhum amistoso confirmado para jogar.

"O investimento, a organização e o cuidado com as competições femininas têm aumentado, e isso seguirá acontecendo. É fato que alguns cenários ainda precisam evoluir, mas é importante destacar que a CBF trabalha diariamente nesse sentido", afirmou, em nota.

Os clubes também poderiam fazer mais para alavancar o crescimento do futebol feminino. Foi ótimo ver alguns deles levando as mulheres para jogar em seus principais estádios nas quartas de final. Mas o jogo do Inter, por exemplo, foi marcado para uma segunda-feira às 15h. Que público consegue ir a um jogo em dia útil nesse horário?

A situação do São Paulo foi ainda pior. A partida foi em Barueri (estádio que não é de tão fácil acesso para os torcedores), e o horário do jogo delas bateu com o do jogo do próprio São Paulo no masculino. O torcedor faz como para acompanhar os dois?

Aí ouvi na semana passada um dirigente do Flamengo dizendo que não fazia sentido mandar o jogo delas no Maracanã (o clube optou por jogar no Luso-Brasileiro) porque "daria no máximo umas 200 pessoas a mais". Mas quanto o clube se esforçou para divulgar o jogo delas e encher o estádio? Esse dirigente parece não conhecer o potencial da própria torcida.

Enquanto isso, o Corinthians vendeu 15 mil ingressos e arrecadou mais de 300 mil reais com o jogo do feminino. E vai arrecadar bem mais com o dérbi na semifinal. Se os próprios clubes e a CBF não fazem o mínimo, não adianta reclamar que "não é rentável". E o que vocês estão fazendo para que seja?